Ao longo desses 13 anos que venho freqüentando a rede através de variados fóruns, listas virtuais, Orkut e dezenas de comunidades, vim observando a insistente procura pelo tarô (e outros oráculos) para questões predominantemente afetivas. Se não fosse o fato dessa procura aumentar com a oportunidade de oferecimento de leituras gratuitas e interpretações variadas (devido ao enorme número de participantes – muitos desses curiosos, inexperientes, estudantes e agitadores – que se valem da rede para “profissionalização” da prática), diria que o interesse pelas leituras abertas existe pelo simples fato de estarem à mão sempre que é preciso, gerando até uma certa irresponsabilidade proveniente da exposição de assuntos íntimos e desrespeito para com os praticantes que procuram defender a seriedade da profissão.
Amor… um tema sempre delicado. Seria inocência de minha parte negar que a procura ao tarô seja em sua maioria para outro assunto qualquer. Sim, o âmbito financeiro e profissional tem sua importância, mas no fim das contas, todos querem saber como anda a sua relação ou se encontrará a sua “metade da laranja”. Esse é um comportamento inerente ao ser humano, basta ver que, ao longo da História, os romances destronaram reis e sucumbiram até impérios. Em alguns casos, até delegaram poderes a uns e glórias a outros. Mas, hoje, em pleno século XXI, estamos diante dos mesmos dilemas amorosos que movem homens e mulheres de toda a Terra. O que talvez ainda não aprendemos inteiramente, é como fazer do tarô (e outro oráculo) um meio que auxilie o(a) consulente a crescer emocional e psicologicamente, de forma a não se sujeitar a erros que repetem-se insistentemente levando-o a fazer do oráculo uma “muleta” e não “uma ponte para a superação pessoal”.
O primeiro e maior erro de uma grande maioria de tarólogos é apenas responder o “arroz com feijão” nas questões amorosas; perguntas do tipo “ele(a) me ama?”, “ele(a) tem atração por mim”, “a relação vai dar certo?”, “Fulano(a) ou Beltrano(a) é minha alma gêmea?”, “o que a pessoa está pensando sobre mim?”, dentre outras perguntinhas básicas que movimentam as redes internet afora, representam apenas tentativas (muitas vezes frustradas) de buscar o amor sem saber como fazê-lo. A premissa fundamental acaba ficando de fora, quando apenas são respondidas as questões com jogos do tipo “sim ou não”: o(a) próprio(a) consulente. O foco exclusivamente no outro é um erro crasso, pois o referido (centro de interesse do consulente) não participa da leitura, não pode argumentar, discutir, questionar ou se defender das observações de quem nos procura, muitas vezes equivocadas, já que se tratam de impressões muito particulares recheadas de projeções e vicissitudes (experiências afetivas de outrora).
Quando, numa leitura, focamos no objeto de desejo do(a) consulente ou somente na relação, estamos tirando a responsabilidade do consulente em aprender a lidar com as próprias falhas e limitações. Muito bem, todos tem o direito de amar, desejar, se apaixonar, mas tais expressões sentimentais encobrem recalques e inseguranças capazes de transformar o mais caloroso romance num “inferno de Dante”. Total covardia de nossa parte acusar o(a) parceiro(a) de quem atendemos do fracasso do relacionamento, como se quiséssemos poupar o nosso cliente de críticas ou advertências, uma vez que ele nos paga e tememos perdê-lo para “outro profissional cheio de firulas interpretativas”.
Enquanto não colocarmos o(a) consulente no centro da questão, conscientizando-o(a) de seu papel e influência no drama afetivo que vive, manteremos quem nos procura permanentemente em estado infantilizado, cuja incompetência de conduzir uma boa relação dará lugar a respostas pouco racionais de nossa parte, do tipo “você não é feliz afetivamente porque é carma, por isso não encontra ninguém à altura”. Pontuação simplista que alivia nosso lado (já que nos livramos do “peso” do problema) acomodando o cliente diante de sua dificuldade.
É impressionante o número de consulentes que saem de um provável romance e já estão na semana seguinte visando outro, sem dar tempo para reconhecerem onde ocorreram as falhas. Daí, as comunidades virtuais “fervem” com historinhas contadas das mais variadas formas, muitas delas com aquela velha desculpa que “a minha vizinha, ou irmã, ou amiga, ou colega de trabalho está interessada num cara e quer saber se a relação dará certo?”; ora, quando a situação chega a esse pé, é sinal que a pessoa já está tão viciada na consulta oracular que é capaz até de modificar a pergunta para a mesmíssima questão, só para assegurar que a resposta anterior “calhará” com a nova obtida. Quando não, temos internautas que espalham as mesmas questões em dezenas de comunidades diferentes ( para “tirar a prova dos nove”) e no final, condecorarão o(a) “tarólogo(a)” – “puxando-lhe o saco” – que lhe dirá exatamente o que queriam ouvir (ou ler). Conclusão: as relações acabam novamente fracassando, os mesmos internautas voltam às comunidades em busca de novas respostas e o ciclo vicioso se completando com novas leituras superficiais oferecidas pelos mesmos curiosos, inexperientes, estudantes e agitadores (raríssimos casos, profissionais sérios – porque quem é sério, não vai se prestar a isso). Resultado: alguns “tarólogos” com ego inflado, porém, consulentes altamente desiludidos.
Volto a frisar que o tarô deve ser um instrumento para educar e orientar e não realizar previsões vãs. As cartomantes vivem cheias de clientes pelas mesmíssimas razões e, se por acaso algo dá errado, é o tarô ou outro método de previsão que será maculado, pois o cartomante da esquina continuará a atrair novos incautos. Não estou desmerecendo o esforço de praticantes sérios e responsáveis, mas está mais do que na hora de tornarmos os nossos consulentes pessoas conscientes de seus atos, escolhas, posturas ou limitações, competindo a nós, tarólogos, prepararmos o indivíduo em sua escalada de vida. Precisamos urgentemente substituir as batidas questões do tipo “ele me ama?” por outras mais salutares psicologicamente falando, tais como: “você acredita no amor? o que está fazendo para merecê-lo?”, “do que tem medo e te deixa inseguro(a) na relação?”, “que trauma, perda ou crise levou-o(a) a dificultar suas atuais relações?”, “como você se vê, sente-se atraente?”, “por que atrai o mesmo tipo de pessoa?”, “por que as relações acabam não dando certo, em que está contribuindo para tal?” dentre outras dezenas de perguntas que aqui poderia levantar. Podemos até responder as questões ditas básicas (sobre a outra pessoa e futuro do romance), mas antes, a prioridade é trabalhar o(a) consulente em sua dinâmica afetiva.
Atenção tarólogo(a): pare com essa tendência de supervalorizar a relação ou o(a) parceiro(a) do(a) consulente! A grande sacada é primeiro orientar a pessoa em suas dificuldades e não prometer “romances duradouros ou términos súbitos” sem dar condições ao indivíduo de se transformar. Paremos, pois, de alimentar questões amorosas repetitivas na rede, pois isso não é inteligente e não o(a) torna um(a) profissional renomado(a)!
Para refletir: “quer tornar o mundo um lugar melhor? Ajude a tornar as pessoas melhores.”