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As artes e artimanhas do arcano 15

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“Mi o vuku, a vuk na vrata” (provérbio croata)”
Enquanto falamos do lobo, o lobo aparece na porta”
ou “Falando no Diabo, ele aparece”.

O arcano “O Diabo” é, dentre todos os 22 arcanos do tarô, um dos mais temidos, primeiro por sua representatividade e evocação iconográfica que segue os moldes artísticos presentes tanto nas gravuras medievais, quanto renascentistas: uma criatura híbrida, às vezes hermafrodita ou mesmo andrógina, cujos traços compõem-se numa imagem zooantropomórfica; depois por sua própria essência: o mal.


Pinturas de Hans Memling, Hell (1485) e de Joseph Fay, Faust und Mephisto (1848)

Tomando como base uma das tantas artes dos baralhos franceses conhecidos como “tarôs de Marselha”, escolhi a reprodução mais popular dentre os baralhos, cuja arte é do artesão e cartier francês Nicolas Conver (1760) cuja oficina se tornou uma das mais populares nas edições de tarô, do qual derivou o Marselha Grimaud (1930), um dos mais populares no Brasil. A imagem em questão é do Marselha Fournier, cuja colorização é acentuada. O diabo como figura mítica central é um personagem controverso.
O termo grego διάβολος (diabolos) significa “aquele que divide” em oposição ao grego σύμβολον (symbolon), ou seja, símbolo, “o que une ou integra”. A natureza do Diabo é desintegradora e divisora (caluniador, opositor ou negador), representando a cisão ou bipolaridade conflituosa em essência.

A origem do termo Diabo se diferencia de demônio δαίμων (daemon) que significa “espírito”, ou seja, para os gregos em todas as coisas havia um gênio ou espírito organizador intercessor; o cristianismo se apropria do termo e o relaciona a um gênio ou espírito do mal. Por último, ainda temos a confusão com o belo anjo Lúcifer hebraico-cristão, descrito nas escrituras sagradas como o braço direito de Yahweh (Jeová), cuja etimologia é Ἠωσφόρος´ou Ἑωσφόρος (Hèosphóros ou Èos-phóros) e ainda da derivação do latim lux-ferus, “o portador da luz”, o anjo rebelde que decaiu junto ao seu exército após divergências com o Criador. As três identidades se encontram, mas possuem ramificações diferentes, tornando-se uma só na cultura popular. O Diabo aqui, em questão, é um agente das forças sombrias para antagonizar com a máxima criação divina: o ser humano. Vem tentá-lo, dissuadi-lo, corrompê-lo e desvirtuá-lo. Aquilo que foi feito na Unidade, simbolicamente o diabo busca dividir (separar, num contexto praticamente teológico, o homem de Deus).
A face do Diabo é uma reprodução de trickster, o trapaceiro sedutor. Encontramos esse traço em personagens como Loki, Hermes, Esú e até em Peter Pan (sorriso maroto e olhar enviesado). A aparência do personagem central do arcano 15 apresenta 8 particularidades que eu denomino “armas e artimanhas do Diabo”. Lembro que sua construção é mística, mitológica e lendária, portanto, estamos tratando tudo pela via simbólica e transcende aspectos puramente históricos e teológicos.

O Diabo, arcano 15 no Tarô de Marselh

1. O elmo com chifres de gamo – a relação estreita entre o deus cornífero celta Cernunnos e o gamo é apontada aqui como uma referência ao paganismo. Citado como uma divindade fálica da fertilidade, Cernunnos é o senhor das florestas. Para os antigos, as florestas e bosques era onde o Diabo costumeiramente se escondia atrás de árvores, dentro de cavernas ou sob lagos. O elmo faz referência aos povos bárbaros, hereges ou pagãos; o elmo cornífero simboliza o poder do Diabo sobre o mundo selvagem e a bestialidade. Afinal, de acordo com os mitos, o Diabo tem a capacidade de se metamorfosear em várias criaturas como bodes, serpentes, gatos, corvos, lobos, morcegos e outros;

O deus celta Cernunnos

  1. Asas de morcego – o morcego tem a capacidade de se guiar no escuro através da audição. Uma das particularidades para os antigos é que o Diabo possuía péssima visão, mas ótima audição. Faz menção, também, à natureza vampírica. Por isso a famosa frase “fale baixo porque o Diabo pode estar escutando”. Esse traço é oriundo da obra de 1485 “Triptych of Earthly Vanity and Divine Salvation” do artista alemão Hans Memling que apresentou uma mistura de diabo com morcego, pisoteando as almas condenadas ao inferno;
  2. Espada flamejante – aqui se confunde com a figura de Lúcifer, “aquele que porta a luz”. A espada sem empunhadura representa uma das armas mais eficientes do Diabo: a inteligência, o conhecimento das fraquezas humanas e o poder de manipular através das palavras. Citado como “pai da mentira”, o Diabo tem a capacidade de provocar a discórdia, tal como a chama na ponta da arma, pronto para “incendiar” as comunicações. Porém, como a espada é sem empunhadura, o próprio Diabo se fere na lâmina, ou seja, se trai por suas palavras;
  3. Seios femininos – símbolo de nutrição, proteção e sedução. Essa associação se dá pelas antigas crenças de que a mulher era o caminho para a tentação. Muitas foram acusadas de bruxaria, simplesmente porque eram sexys, bonitas ou exuberantes demais. O seio aqui tem conotação de sedução e distração. Isso pode simbolizar que o ardil do Diabo era utilizar a mulher, distraindo o homem levando seus pertences, reputação e credibilidade. Muitos padres valeram-se dessa desculpa ao serem pegos com mulheres;
  4. Pênis – aqui está relacionado aos desejos. O Diabo sempre foi considerado o ‘Senhor dos Desejos’, daí tantas histórias de pactos para conquistar fama, riqueza, beleza, poder. No Malleus Maleficarum, ou “Martelo das Feiticeiras”, o manual inquisitório de 1487, é descrito que muitos pactos das bruxas com o Diabo se davam pela cópula. O pênis também reporta à luxúria, um dos pecados capitais. Simboliza os vícios em geral;
  5. Garras de macaco ou garras do Diabo – simboliza o poder de alcance do Diabo. Ele pode ser capaz de agarrar o incauto de variadas formas. A engenhosidade é uma de suas características e é manipulador e estrategista. Pode significar a capacidade do Diabo se articular para conseguir o que quer. O macaco também é símbolo de inteligência e a destreza do personagem de segurar inclusive qualquer coisa com os pés, revela sua versatilidade sombria;
  6. Bigorna – o arcano 15 está sobre uma bigorna, onde um elo mantém presas duas figuras: um íncubo (demônio masculino) e um súcubo (demônios femininos) que são seus escravos e servidores. Esse instrumento de metal pesado sempre foi usado para forjar armas, pelos ferreiros. Simboliza o poder de forja do Diabo: a criação divina deve ser forjada (remodelada) sob a tutela do Diabo. Daí a ideia de que o Diabo tem a capacidade de forjar qualquer coisa;
  7. Mão levantada – tal como acontece com o arcano 01 (O Mago), o Diabo é um ilusionista. Sua capacidade de enganar é muito eficiente. O Diabo é conhecido por “dar com uma mão e tirar com a outra”. Nas narrativas, todo pacto com o Diabo é feito mediante a negociação da alma do indivíduo. A mão levantada revela essa capacidade de o Diabo envolver, obter o que quer, pois seu objetivo é levar o máximo de almas ao inferno.
    Tais descrições, lembro, estão relacionadas com o olhar de época, pronunciando-se seu caráter simbólico e iconográfico.

 

 

Giancarlo Kind Schmid
Giancarlo Kind Schmid
Vivendo em meio aos livros desde criança na biblioteca de meu pai, despertei interesse logo cedo por Literatura e História. Aos onze anos, comecei a me identificar com História Antiga, mais precisamente Egiptologia e afins. O primeiro contato com o mundo esotérico surgiu das pesquisas feitas com Piramidologia e estudos sobre energia cósmica.

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