τοῖς πᾶσιν χρόνος καὶ καιρὸς τῷ παντὶ πράγματι ὑπὸ τὸν οὐρανόν
“Tudo tem o seu Chronos determinado e há um Kairós para todo propósito” – existe um tempo cronológico no qual vivemos e, dentro dele, um momento oportuno para que se cumpram os propósitos.
As medidas de tempo para os gregos se apoiavam em duas divindades principais: Kairós (do grego Καιρός), o “momento certo” e Chronos (do grego Κρόνος), o “tempo mensurável”.
O mito do Chronos ilustra temas como envelhecimento, mudança, entre outros elementos relacionados ao tempo. Chronos personificava o senhor do tempo, aquele que tudo devora – “Chronos devora ao mesmo tempo que gera” – essa é uma alusão ao mito que ele devorava todos os filhos assim que deixavam o ventre sagrado da mãe. De acordo com a mitologia ele temia uma profecia segundo a qual seria tirado do poder por um de seus filhos pois não queria que ninguém lhe sucedesse, além dos próprios filhos devorava os seres e o destino, Chronos deu origem a palavra cronômetro do nosso relógio que regulamenta o nosso tempo.
Kairós, por sua vez, representava o oposto, era descrito como um jovem que não se preocupava com o relógio, calendário e o tempo cronológico. Kairós era representado por um jovem que sempre estava nu, de asas nos ombros e nos tornozelos, tinha mechas de cabelo caindo sobre a testa, mas a sua nuca é calva. Isso representa o caráter instantâneo de sua apreensão: ele só pode ser pego (agarrado pelos cabelos) em sua passagem por nós e, uma vez tendo passado, é impossível alcançá-lo (não tem cabelos na nuca por onde possa ser puxado de volta).
Kairós tem numa das mãos uma balança. A balança é símbolo do equilíbrio e da justiça: Kairós, embora veloz, não ultrapassa a medida (μετρητή, Metron). Kairós era filho de Cronos, deus do tempo e das estações, e que, ao contrário de seu pai, expressava uma ideia considerada metafórica do tempo, ou seja, não-linear e que não se pode determinar ou medir, uma oportunidade ou mesmo a ocasião certa para determinada coisa.
Num conceito geral, podemos entender:
Kairós – “Tempo”, especialmente um “ponto no tempo”, “momento”, “tempo oportuno”, “oportunidade favorável”, “ponto justo”, “medida certa”, “lugar apropriado”, “aquilo que é conveniente apropriado ou decisivo”.
Na teologia passou a ser usado para descrever a forma qualitativa do tempo ou “o tempo de Deus”, o tempo que não pode ser medido, é o tempo da oportunidade, livre do peso das cargas que se passam e da ansiedade das coisas que acontecem antes do tempo, ele se manifesta sempre no presente, instante após instante; Kairós marca os momentos que se tornam inesquecíveis, ainda que tenham sido breves, os gregos acreditavam que com o Kairós poderiam enfrentar o cruel e tirano Chronos.
Quando se fala em Kairós se quer indicar que alguma coisa aconteceu tornando possíveis ou impossíveis certas coisas.
Chronos – “Tempo”, “período de tempo”, “espaço de tempo, longo ou breve”.
Chronos serve inicialmente para a designação formal de um espaço de tempo, ou ponto de tempo, refere-se ao tempo cronológico ou sequencial que pode ser medido. Ele controlava o tempo desde o nascimento até a morte, um pensamento grego era que Chronos representava o tempo que faltava para a morte, uma vez que era impossível fugir do mesmo, todos seriam mais cedo ou mais tarde vencidos (devorados).
Quando transposto para as tradições romanas, Kairós é personificado pela deusa latina Occasio (Ocasião) que carrega consigo os mesmos atributos. Como seu equivalente, Occasio também tem os cabelos sobre a fronte, mantendo a parte de trás da cabeça raspada, uma lâmina na forma de lua crescente nas mãos, originando a frase “a ocasião (oportunidade) se agarra pelos cabelos”. Já o conceito de tempo medível acaba encontrando correspondência em outra deusa latina, que se tornou famosa nos primeiros baralhos de tarô como o arcano 10, Fortuna (sorte, fado, destino). O conceito de tempo em Fortuna acaba extrapolando a ideia do tempo cronológico e adentra o sentido de ascensão e queda humana. Não, apenas, ilustrada medievalmente como uma mulher de olhos vendados girando uma roda, onde ascende um afortunado e declina um desgraçado, como também uma representação dos ciclos da vida como “nascimento, infância, juventude, maturidade e velhice”.
Fortuna personifica a ideia e que “tudo que sobe, um dia desce”, e em certas referências confunde-se com Occasio, já que devemos aproveitar o agora, tudo que a vida nos oferece de bom, pois não sabemos o dia de amanhã. Em algumas ilustrações xilográficas, Occasio e Fortuna são como irmãs, impermanente e caprichosas, equilibrando-se em um globo ou roda sobre águas caudalosas. Occasio se refere às chances, enquanto que Fortuna às fatalidades. O termo “fatalidade” deriva do latim “fatalitatis” que significa “necessidade do destino”. O próprio prefixo latino “fata” significa “fado” e não se restringia, para os romanos, às condições adversas exclusivamente. Occasio assim como Kairós, refere-se ao “pegar ou largar” diante das oportunidades da vida, enquanto Fortuna na condição de Chronos, significa cumprir o destino que do qual não podemos escapar (como, por exemplo, morrer).
Tanto Fortuna como Occasio foram eternizadas nos textos profanos musicados por Carl Orff na peça “Carmina Burana” nos atos “Fortuna Imperatrix Mundi” (Fortuna, Imperatriz do Mundo) e “Fortune Plango Vulnera” (Choro as Feridas da Fortuna):
O fortuna
Velut luna
Statu variabilis,
Semper crescis
Aut decrescis;
Vita detestabilis
Nunc obdurat
Et tunc curat
Ludo mentis aciem,
Egestatem,
Potestatem
Dissolvit ut glaciem.
Fortune plango vulnera
stillantibus ocellis
quod sua michi munera
subtrahit rebellis.
Verum est, quod legitur,
fronte capillata,
sed plerumque sequitur
Occasio calvata.
Ó fortuna
És como a Lua
Mutável,
Sempre aumentas
Ou diminuis;
A detestável vida
Ora oprime
E ora cura
Para brincar com a mente;
Miséria,
Poder,
Ela os funde como gelo.
Choro as feridas da Fortuna
Com os olhos rútilos
Pois que o que me deu
Ela perversamente me toma.
O que se lê é verdade:
Esta bela cabeleira,
Quando se quer tomar,
Calva se mostra.
Fortuna ganha status de “sorte” ou “azar” em sua alteridade de movimentos. A engenhoca que é movimentada pela deusa se reporta de certa forma à Samsara, a roda das sucessivas reencarnações segundo o hinduísmo, budismo e jainismo. Podemos entender que Occasio representa a liberdade de escolhas, enquanto Fortuna é uma deusa caprichosa que escraviza os humanos. Não há como fugir às exigências da deusa. Ao que parece, o tempo de Occasio relativo a Kairós é circunstancial e envolve imprevisibilidade; já o tempo de Fortuna associada a Chronos, é escalar e cumpre uma métrica de princípio, meio e fim. Podemos entender como “sorte ou azar” em Fortuna como condução ao merecimento, enquanto o destino que se cumpre em Occasio é fugidio e envolve o preparo e capacidade do indivíduo se aperceber das condições ofertadas. Em linhas gerais, Occasio é o instante, enquanto Chronos fala da continuidade. Na designação, não temos controle direto sobre Kairós/Occasio pois é o tempo da vida, enquanto Fortuna/Chronos é um tempo, digamos, administrável.
Na compreensão dos gregos e, acima de tudo dos romanos, destino e tempo parecem se entrelaçar na relação com as escolhas e necessidades humanas. O destino é um propósito e, ainda que Occasio ofereça sutis saídas ao cumpridor dos desígnios fatídicos, a linha do tempo leva-nos sempre ao mesmo ponto de encontro que é a finitude da vida.
BRANDÃO, Junito de Souza. Mitologia Grega Vol I. Petrópolis, Vozes, 2004.
LOYN, Henry R. Dicionário da Idade Média. Rio de Janeiro, Jorge Zahar Editora, 1990.
MITOLOGIA GREGA BR: https://mitologiagrega.net.br/cronos-e-kairos-personificacoes-do-tempo
PRINCÍPIOS DO REINO: www.logosdoreino.com.br/kairos-e-chronos-um-entendimento-sobre-o-tempo-de-deus/
SIGNIFICADOS: https://www.significados.com.br/kairos/