Os famosos jogos de tabuleiros (dama, xadrez, ludo, gamão, moinho, etc.) são provenientes, em sua maioria, do Oriente, quando então alguns povos nômades e invasores vindos de terras longínquas, deixaram como herança para outras culturas um universo lúdico sem precedentes. A origem certa e datas perdem-se na “noite dos tempos”, mas sabe-se que egípcios, gregos e romanos desfrutavam de atividades lúdicas socialmente há milênios.
O interesse do ser humano pelos jogos parte de uma premissa simples: o homem é um jogador por definição, inspirando inclusive o historiador holandês Johan Huizinga ao definir o termo “Homo Ludens”.
Tudo parte de dois pontos – a guerra e a relação com o divino. Muitos jogos orientais definem-se por “militarmente estratégicos”, basta analisarmos o árabe Xadrez com suas torres, cavalos, reis e rainhas ou o chinês Go, cuja definição é pensar como um “general de um exército” ao avançar no território oponente. Muitos outros se apóiam em confrontos militares: o japonês Shogi e o indiano Chaturanga, por exemplo. É possível que tais jogos de tabuleiro tenham originado o conhecido baralho tradicional lúdico. O objetivo desses é a captura de peças do oponente ou conquista do território, e intimidação até que a última peça (principal) não tenha mais como se movimentar no tabuleiro. O que predomina nesses tipos de partidas é pura matemática e poder de análise / estratégia, somando-se paciência e acuidade visual. Fica claro o aspecto simbólico: peças escuras e brancas, simbolizando a batalha da luz contra as trevas.
Já o grupo dos jogos com relação com o Divino, dramatizam iniciações, mitos e jornadas da alma. Um bom exemplo é o egípcio Senat (ou Senet), jogo da família do gamão que teria mais de 5.500 anos (!), cuja dinâmica lúdica simboliza a passagem da alma para outro mundo e o combate desta contra as forças inimigas. O jogo inclusive é citado no famoso “Livro dos Mortos” egípcio. A razão de algumas partidas era a luta do jogador em preservar sua alma das forças de Seth, deus egípcio das sombras, inimigo de Osíris. Normalmente os jogadores se embebiam com cerveja para realizar as partidas, para “esquentar” as partidas. As peças chamam-se “dançarinos” e os dados são chamados de “dedos”. Outro jogo pouco comum é originário da Índia e Ceilão e chama-se Singha, cujo objetivo é confrontar as peças brancas (que simbolizam a “vaca sagrada”) com as peças pretas (que simbolizam o leopardo, a “força contrária”). Ganha se os leopardos capturarem todas as vacas ou as vacas imobilizarem todos leopardos – o simbolismo revela a ação entre o profano e o sagrado, a paz e a violência. Já o africano Mancala revela a relação homem e Mãe Terra: “semeaduras e colheitas” simbolizam o movimento das peças, dentro da complexidade próxima do xadrez.
A estreita relação “Homem – Guerra – Divino” é praticamente fonte de ilustração em todas narrativas históricas e míticas. A consulta a antigos oráculos antes de guerras era comum entre os gregos, assim como os egípcios esperavam sinais especiais da natureza para a tomada de decisões. Com o tempo, o homem achou necessário transpor alguns de seus oráculos para os tabuleiros, uma forma particular de “conversar com os deuses”. Nasceram daí os “deuses oráculos” (tradutores de sinais) manifestados em sacerdotes e xamãs que na maioria das vezes riscavam símbolos na terra, invocando as forças espirituais. Muitas religiões formalizadas, tinham como símbolo a “grade quadriculada” que remete à maioria dos jogos de tabuleiro. Vale lembrar que o quadrado representa a matéria e os desenhos aí contidos, geométricos ou não, invocam as dimensões do mundo terrestre.
Na iconografia cristã o quadrado é símbolo da terra, e a aura dos primeiros cristãos era retratada como “quadrada”.
Já os círculos presentes em qualquer tabuleiro tem relação com o divino, pela lógica passamos a entender que jogos de tabuleiro com figuras circulares distribuídas apontavam para o plano espiritual, enquanto figuras quadradas no tabuleiro evocavam as coisas desse mundo. Um exemplo são os próprios dados: o nome deriva do latim “dadus” e exprime o significado de “dar”, ou seja, algo “dado pelos deuses a nós” (matéria). Aliás, o dado se tornou ainda mais popular depois do relato bíblico dos soldados disputando o manto de Cristo crucificado…
A maioria dos jogos era confeccionado com materiais da natureza (pedras, ossos, gravetos, conchas, sementes, etc.), revelando também a relação sagrada do homem com a natureza. Um dos jogos-oráculo que nos foi legado é o Búzios, proveniente da África, uma forma lúdica de se conversar com os deuses. Há jogos oráculos semelhantes como o Fanorona ou Fanorone (proveniente de Madagáscar) utilizados pelos “mpsikidy” ou advinhos. Originalmente jogavam com as sementes da árvore Fano, uma espécie de acácia daquela ilha. É no mínimo curioso como há uma estreita relação entre jogos e sintonia com os deuses. Devemos entender que não se jogava com o intuito de se divertir objetivamente, mas de se buscar orientações espirituais.
Creio que, aí, tenha se originado o caminho oracular dado ao tarô. Originalmente, as cartas surgiram puramente como fonte de entretenimento, isso se a História não nos enganou, algo em torno do século XIV. Somente no século XVIII é que surgiu uma “verdadeira febre oracular”, em particular na França, dando novo significado aos jogos de cartas.
Tanto o baralho lúdico (comum) como o tarô, tornaram-se instrumentos para ler o futuro efetivamente. Das duas correntes, temos o Petit Lenormand (oriundo de outro jogo de cartas, o “Sibila dos Salões”) um outro pitoresco conjunto de cartas que simplificou a leitura oracular. Torna-se claro que o ser humano não consegue ficar muito tempo “sem conversar com os deuses”…
Toda essa exposição nos faz refletir sobre algo: “os Deuses brincam conosco? Somos peças movidas no tabuleiro chamado Terra?” É algo para se pensar, afinal de contas, devemos nos valer do axioma de Hermes Trimegistos: “assim como está em cima, está embaixo; assim como está embaixo, está em cima”. E vamos em frente no chamado “jogo da vida”!!!
Fontes de Pesquisa e Consulta
1) Coleção Naipes Fournier – Ed. Altaya
2) “Jogos Antigos” – http://www.jogos.antigos.nom.br