“A pior cegueira é a mental, que faz com que não reconheçamos o que temos pela frente” (“Ensaio Sobre a Cegueira” – José Saramago)
O naipe de Espadas alude à mente em sua manifestação espontânea. Segundo o budismo, a mente é considerada como a base universal da experiência, criadora da felicidade e do sofrimento. Nessa filosofia, a mente se divide em muitos aspectos, mas, especialmente em dois: a mente ordinária chamada SEM, que na teosofia seria o corpo mental inferior e RIGPA, a consciência primordial ou corpo mental superior.
Sem é dualista, discursiva, pensante, precisa de um ponto de referência externo para funcionar. Através dela pensamos, planejamos, manipulamos, expressamos as avalanches de emoções que nos absorvem e também os pensamentos negativos que acumulamos e que continuamos alimentando a partir da fragmentação e conceitualização das nossas experiências. É através dela que criamos e alimentamos nossa instabilidade, pois ela está, o tempo todo, presa às influências externas, aos nossos maus hábitos e condicionamentos.
Já a essência mais profunda da mente é de natureza absoluta e intocável pelas mudanças e crises a que todos nós estamos sujeitos e vulneráveis. A outra qualidade da mente, rigpa, está obscurecida pela correria do dia a dia e pelos nossos pensamentos e emoções. Mas, da mesma maneira que uma rajada de vento pode dissipar as nuvens e revelar a luz do sol, algumas práticas específicas ou algum lampejo de inspiração podem nos revelar vislumbres dessa mente superior.
A CEGUEIRA DA MENTE E A PRODUÇÃO DE SOFRIMENTOS
Há 03 figuras que se apresentam com os olhos cobertos no tarô Rider Waite-Smith: o 02 de Espadas, o 08 de Espadas e o 09 de Espadas. Estas cartas aludem a algum tipo de ‘cegueira’ que acaba por produzir sofrimentos: o 02 se revela no conflito provocado pela dualidade e na resistência às mudanças; o 08 se expressa na intolerância ao carma e às pressões da vida; o 09 sugere a intensificação do sofrimento provocando um sentimento de injustiça. Duas figuras (02 e 08 de Espadas) se revelam como condições (a priori) de não-escolha (vendas nos olhos), ao passo que a figura que sofre com as mãos sobre o rosto (09 de Espadas) sugere a escolha de continuar ou não sofrendo. No 02 de Espadas há o impasse; no 08 de Espadas, estar manietado (pelo karma); no 09 de Espadas, a insustentabilidade da dor.
Segundo os ensinamentos mais elevados da tradição budista, nós temos uma essência liberta de todo o engano e confusão, a natureza da mente. É como se você por se sentir preso(a) ao apego, estivesse inconsciente sobre quem é o que verdadeiramente é.
Essa confusão, o engano sobre quem somos, a cegueira funcional, é chamada de avidya em sânscrito e em tibetano, Ma-rigpa.
Vidya é lucidez, clareza, discernimento, visão. “A” significa aqui negação, perda, obscurecimento. Avidya signfica falta de discernimento sobre a verdadeira natureza da mente e seu potencial.
Uma imagem de Buddha.
DUKKHA E OS 03 TIPOS DE SOFRIMENTOS
De acordo com a tradição budista, todos os fenômenos são marcados por três características, às vezes referidas como os “três selos do Darma”. Eles são anicca (impermanência), dukkha (insatisfação crônica) e anatta (não-self, ou nada é provido de uma existência isolada e independente ). Em relação ao naipe de Espadas, focaremos na ‘primeira nobre verdade’, Dukkha.
Dukkha é a Primeira Nobre Verdade das ‘Quatro Nobres Verdades’, as quais estão no centro do ensinamento do Buddha. Elas seriam; “a vida é sofrimento; a causa do sofrimento é o desejo; a cessação do sofrimento é ser livre do desejo; o modo de fazê-lo é o Caminho Óctuplo”. A raiz de Dukkha é Duk, e significa “eixo”, referindo-se a um eixo de madeira unindo duas rodas de uma carroça, meio de transporte muito comum na época de Buddha. A palavra Dukkha significa que o eixo está fora de prumo, fora de alinhamento. Esse desalinhamento sugere a instabilidade da vida, os ciclos, promovendo a insatisfação. Buddha no seu discurso sobre as Nobres Verdades usa o exemplo da carroça, que tem seu eixo fora de alinhamento, como analogia ao desequilíbrio de nossas vidas, desequilíbrio esse que leva ao sofrimento ou insatisfação/frustração. Existem 03 formas de sofrimento, em analogia às figuras do 02, 08 e 09 de Espadas:
02 DE ESPADAS – o primeiro [sofrimento] é o ‘sofrimento da mudança’. Nada é confiável ou consistente. Por maior que seja a nossa esperança em ter uma base sólida sobre a qual nos apoiar, tudo aquilo com o que contamos sempre se corrói, criando grande dor.
08 DE ESPADAS– o segundo é o ‘sofrimento que tudo permeia’. Da mesma forma que quando você espreme uma semente de gergelim, constata que ela está impregnada de óleo, pode parecer que a nossa vida seja feliz, mas sob pressão do amadurecimento do carma, sofremos. Tão certo quanto o fato de nascermos é que adoeceremos, envelheceremos e morreremos.
09 DE ESPADAS – o terceiro é o ‘sofrimento que se sobrepõe ao sofrimento’. Uma coisa ruim acontece após a outra e parece não haver justiça no processo. Quando pensamos que a situação pode ficar pior, ela fica. Perdemos dinheiro, depois um parente, depois a juventude — há inúmeras maneiras pelas quais sofremos.
Segundo os budistas, para acabar com o sofrimento, a primeira coisa a fazer é aceitar que ele existe. A vida de todos os seres humanos, mais cedo ou mais tarde, é tocada pela dor. Resistir só aumenta o sofrimento.
Agora, aceitar a dor não significa resignar-se. O budismo afirma que a dor nasce do desejo e que, por isso, aprender a renunciar ao desejo é o caminho mais rápido para acabar com o sofrimento.
02, 08 e 09 de Espadas do Radiant Tarot (versão do Rider Waite-Smith);
Vivendo em meio aos livros desde criança na biblioteca de meu pai, despertei interesse logo cedo por Literatura e História. Aos onze anos, comecei a me identificar com História Antiga, mais precisamente Egiptologia e afins. O primeiro contato com o mundo esotérico surgiu das pesquisas feitas com Piramidologia e estudos sobre energia cósmica.