Em recente artigo escrito sobre as Constelações Familiares, a primeira parte desse estudo, fiz uma breve apresentação sobre o seu criador Bert Hellinger, a prática, e o que é e como funciona o campo morfogenético e sua relação com um arcano em especial. Você poderá acessá-lo aqui: Constelações Familiares.
Explanarei, agora, sobre as Ordens ou Leis do Amor e os arcanos associados. De acordo com Hellinger, o principal sistema do qual partimos e estamos inevitavelmente inseridos é a família. Os laços que nos vinculam aos nossos pais recebem a força da herança das experiências de toda nossa linha ascendente (nossos antepassados) que nos legaram o modelo familiar do qual compartilhamos.
Não temos noção de quantas perdas ou ganhos, dores ou prazeres, conquistas e insucessos, sofrimentos ou alegrias, vitórias ou fracassos, doenças ou deficiências, separações ou uniões, lutos ou nascimentos, superações ou desistências escreveram o nosso script existencial. Sim, somos o conjunto de todas essas informações (e tantas outras) de nossos ancestrais que caracterizam e dão sentido à nossa história.
Nossas relações familiares nem sempre vêm acompanhadas da boa convivência, compreensão, sintonia e mútua cooperação – conflitos antigos podem ameaçar a ordem e o equilíbrio sensível entre aqueles com os quais estamos ligados, duplicando padrões que levam a toda uma série de problemas em escala individual ou coletiva. Nesse momento é que as chamadas Ordens (Leis) do Amor são evocadas para que o sistema possa recuperar seu equilíbrio e levar a harmonia ao campo que envolve cada um de nós e familiares.
Hellinger classificou as Ordens (Leis) do Amor em três esferas essenciais ao bem-estar dos sistemas humanos:
1. Lei da Pertinência – todos têm o direito de pertencer;
2. Lei da Hierarquia Temporal – os antigos precedem aos mais novos;
3. Lei do Equilíbrio – dar e receber devem estar em harmonia.
Essas poderosas leis têm a função de reorganizar os sistemas, proporcionando uma autorregulagem do campo (morfogenético), permitindo novamente o fluxo da vida. Elas têm a função de resgatar e reparar as histórias mal resolvidas do passado que se tornaram emaranhados familiares, projetando-se como obstáculos para a plena realização e felicidade individual ou coletiva. Do momento que essas leis são aplicadas, é preciso que as questões (nós familiares) sejam vistas (observadas, assimiladas, compreendidas e aceitas) trazidas pelo campo para que possam ser tratadas com amor e maturidade pelos envolvidos (quando digo maturidade, é que somente o adulto que há em nós é capaz de realizar esse papel, já que a criança sempre toma, e o adulto sempre doa). Para termos uma visão mais apurada de cada uma dessas esferas, explicarei, a seguir, a natureza de cada uma delas.
“Pertencer à nossa família é nossa necessidade básica. Esse vínculo é o nosso desejo mais profundo. A necessidade de pertencer a ela vai além até mesmo da nossa necessidade de sobreviver. Isso significa que estamos dispostos a sacrificar e entregar nossa vida pela necessidade de pertencer a ela” (Hellinger, A CURA, pág. 17).
A Lei da Pertinência ou Pertencimento aborda as questões que envolvem as exclusões que ocorrem dentro e fora de nossa família. Sua função é reincluir alguém que foi esquecido proposital ou inconscientemente pelos membros a quem estava vinculado, por um motivo condenável na maioria das vezes, não importando se a pessoa está viva ou não. É comum que indivíduos que, por um motivo ou outro, foram vistos como transgressores, acabem à margem de seus grupos e passem a viver à sombra dos demais; esses indivíduos são vistos como transgressores, motivo de vergonha ou como ‘pecadores’ que impingiram dor aos demais. Casos como de alcoólatras, doentes mentais, viciados em drogas, criminosos, suicidas, homossexuais, portadores de doenças degenerativas, perturbados espirituais e outros, passam a ser “ocultados” entre os familiares, as pessoas procuram evitar comentar sobre o assunto, pois podem representar para alguns, ‘vergonha moral’ entre os relacionados. Uma vez que esses indivíduos são excluídos, todo o sistema sofre as colateralidades e as consequências do processo e, enquanto a questão não for “vista” amorosamente, o campo leva o processo a se repetir em outros membros posteriormente como os filhos, netos e bisnetos (também pode ser estendido a relação com irmãos ou mesmo ao casal). O processo também vale para as separações, quando uma das partes contrai um novo matrimônio, após uma separação “mal resolvida”, afetando o(s) filho(s) do novo casal da parte que se casou. Filhos com comportamento inadequado em casa podem ser um reflexo dessa dor que ficou ignorada.
Para ilustrar essa sensível relação entre os envolvidos, me valerei de dois arcanos: a “Roda da Fortuna” (10) e o “10 de Copas”. No arcano 10, a “Roda da Fortuna”, as figuras estão conectadas à roda que gira, fazendo com que as figuras se alternem. Os personagens são os integrantes do sistema, a roda é o campo e a manivela que faz girar a engrenagem é o amor. Quando uma posição é afetada, automaticamente as outras também são, exemplificando que, dentro dos sistemas, todas as relações afetam-se entre si. Se um dos personagens da Roda é retirado, o desequilíbrio se faz presente e a engenhoca deixa de girar. Esse é o princípio básico postulado pelo filósofo Heráclito: quando uma força toma uma direção, outra em sentido oposto exerce função compensatória. Quando excluímos alguém, essa força que empurra para fora o indivíduo também empurrará para dentro de nossa história de vida problema semelhante que continuará desagregando até que o emaranhado original seja tratado respeitosamente. O “10 de Copas” reflete a relação integrativa entre as partes: a família é um organismo vivo, cuja estrutura está apoiada na inclusão – e só há inclusão se houver amor. A maneira que conduzimos nossa história também afetará a história de nossos descendentes.
“O ser é estruturado pelo tempo. O ser é definido pelo tempo e através dele, recebe seu posicionamento. Quem entrou antes em um sistema tem precedência sobre quem entrou depois. Sempre que acontece um desenvolvimento trágico em uma família, uma pessoa violou a hierarquia do tempo” (Hellinger, AS ORDENS DO AMOR, pág. 37).
A segunda Lei chamada de Hierarquia Temporal (ou Ordem), posiciona cada indivíduo em seu lugar devido no sistema. Essa ordenação ocorre pela estruturação temporal dispondo cada qual em uma condição hierárquica. Os filhos sucedem os pais, não podendo ocorrer uma troca de posições. Quando um membro da família ocupa o lugar de outro em papel diferente a que foi destinado hierarquicamente, o sistema colapsa. Tomando como exemplo, um filho ou filha que ocupa o lugar de um dos pais ausentes, desestabiliza o sistema levando o campo a corrigir a desordem. Da mesma maneira que não podemos construir uma casa levantando as paredes sem antes constituir uma boa fundação, na hora que o telhado for colocado a construção tende a desabar, pois não há alicerces suficientes para que a estrutura se mantenha. O primeiro passo para que as hierarquias sejam respeitadas é aceitar cada indivíduo como ele é. Devemos aceitar nossos pais da forma que são, com todos os defeitos, pois também são reflexo de histórias pregressas. Esse princípio serve não só para o núcleo familiar, mas também as hierarquias profissionais, sociais, laços afetivos, irmãos, amigos e outros. A natureza dotou cada indivíduo com suas peculiaridades, ocupando seu lugar de direito. É como a teia de aranha, cujos fios se interligam, mas os primeiros dão suporte para os seguintes.
Como representação simbólica, os arcanos “Justiça” (8 ou 11) e “10 de Ouros” evocam essa Lei. No arcano “A Justiça” a autoridade representada pela mulher que porta a balança e a espada sugerem que se a ordem for ameaçada, o campo fará de tudo para que o sistema volte a operar em harmonia em seu fluxo. Os pratos da balança devem estar alinhados, do contrário, há descompensação. O sentido de hierarquia é visualizado na figura do “10 de Ouros” onde podemos observar um idoso, um casal de adultos e uma criança. Notemos que a criança está agarrada aos seus supostos pais, enquanto o ancião, o suposto patriarca da família se encontra sentado, enquanto os discos dispostos formam a árvore cabalística da vida – cada personagem ocupa uma função na família, tem o seu papel e deve estabelecer uma conexão respeitosa com os mais antigos.
“O que dá e o que recebe conhecem a paz se o dar e o receber forem equivalentes. Nós sentimos credores quando damos algo a alguém e devedores quando recebemos. O equilíbrio entre débito e crédito é fundamental nos relacionamentos” (Hellinger, A SIMETRIA OCULTA DO AMOR, pág. 21).
Equilíbrio é a lei que envolve o dar e receber no trabalho sistêmico. Essa lei regula todas as relações, mas quando se trata da família, os filhos sempre tomam (a força) e os pais sempre doam. Quando os filhos crescem e se tornam adultos, cumprindo a função posteriormente de pais, passam a também doar. Deste modo o sistema sempre se mantém equilibrado e funcional. Quando há desequilíbrio, uma das partes se afasta por sentir que não poder retribuir ou por doar-se muito, para que a outra parte possa equalizar os extremos. As brigas e separações ocorrem muitas vezes em função dessa desarmonia. Um casal onde uma das partes só se doa pode significar que a outra se mantém em estado infantilizado, continuando a crer que, ainda numa condição como a de um filho, deve continuar tomando, como se o par fosse um dos pais. Somente quando a troca é permitida, a relação pode encontrar o caminho do amor e da satisfação entre ambos. Na medida que o ser humano amadurece, deixa de tomar para doar-se, permitindo que o beneficiamento mútuo produza equidade e simetria no campo. Em todos os sistemas deve haver uma troca: um trabalho precisa ser remunerado, devemos dar atenção àqueles que nos dedicam atenção, se aprendemos também podemos ensinar.
Os arcanos ilustrativos para caracterizar essa lei são a “Estrela” (17) e o “6 de Copas”. No arcano 17 a figura feminina despeja o conteúdo das ânforas de volta para o rio, simbolizando que, se tomamos, também repomos. A postura corporal da personagem envolve entrega e humildade, pois o ato de doar é destituído de interesses, estamos desnudos ao abrirmos nossos corações, entregues à causa maior. A água é o símbolo do amor, e as ânforas em par envolvem a troca, significando que não se pode tomar sem um dia dar. Na figura do “6 de Copas” a criança recebe (toma) da figura maior (adulto) uma taça florida, evocando a ideia de que, da mesma maneira que hoje recebemos, um dia também há de precisarmos de nos doar. Esse fluxo permite que os sistemas mantenham-se em fluxo constante, se retroalimentando em amor por meio da troca e interatividade.
Na parte III sobre este tema abordarei as Ordens da Ajuda.
Bibliografia:
HELLINGER, Bert. A Cura. Atman. Belo Horizonte. 2014.
BEAUMONT, Hunter; HELLINGER, Bert; WEBER, Gunthard. A Simetria Oculta do Amor (Porque o amor faz os relacionamentos darem certo). Cultrix. São Paulo. 2008.
HELLINGER, Bert. Ordens do Amor (Um guia para trabalhos com Constelações Familiares). Cultrix. São Paulo. 2001.
RODÉS, Daniel; SÁNCHEZ, Encarna. Tarot y constelaciones familiares. Oceano Ambar. Madrid. 2009.