O 10 de Paus conta com um enredo triste. A ilustração de Pamela C. Smith para esse arcano apresenta um homem abraçado a um pesado fardo de varas, com o corpo envergado, dirigindo-se a uma cidade. Esta cena reúne duas realidades: o trabalho escravo e o ato de preparar as fogueiras inquisitórias. Era comum alguns serviçais serem incubidos de carregar as lenhas e armar as fogueiras em praça pública para queimar os chamados “hereges, feiticeiras ou bruxas”; não raro, familiares dos condenados eram obrigados a tal ato. O peso que o personagem carrega não é só físico, é psicológico. O título sugerido a esse arcano é “O Fardo”.
A Inquisição, ou Tribunal do Santo Ofício, foi uma instituição judicial da Igreja Católica que existiu entre os séculos XIII e XIX. Em aliança com o Estado, o objetivo da Igreja era reprimir a heresia e fazer prevalecer a fé cristã.
No discurso, nenhuma palavra é vã.
Muitos resquícios inquisitórios do processo penal contemporâneo remetem à ritualística empregada pelos tribunais do Santo Ofício na condução dos “autos de fé”, procedimentos (e não “processos”, na acepção fazzalariana de encadeamento de atos formais conduzidos em contraditório) vocacionados à apuração do cometimento de heresias atentatórias aos valores então aguerridamente defendidos pelo poder temporal e pela sua maior expressão institucional no ocidente, a Igreja Católica.
Havia, então, uma liturgia procedimental fundada na possibilidade de atingimento de uma verdade transcendente e, portanto, “mitológica”, legitimando-se todos os meios necessários para o seu (suposto) desvelamento. A verdade, enquanto instância una, metafísica, linear e imutável, precisava ser “descoberta” e, estando enclausurada no imputado, deveria ser dali extraída, ainda que (não raramente) por vias de coação do próprio corpo do “herege”, como a tortura; ou mesmo através de expedientes como as ordálias, tão ou mais estapafúrdios, sob o ponto de vista da racionalidade, que aqueles imputados ao acusado.