Deleitemo-nos.
A cena clássica, repetida em inúmeros romances, onde o jovem flerta com a donzela, marca um ciclo importante literário europeu (século XII a XIV): o trovadorismo. Uma ode ao amor, especialmente o amor impossível e platônico transformando o trovador num vassalo da mulher amada, exemplo do amor cortês. Esse é o período onde surge o primeiro baralho de tarô na Europa (1392) e passa, então, a se tornar conhecido.
O arcano 06 é representado atualmente por um jovem entre duas mulheres tendo ao alto a figura resplandecente do Cupido. Em alguns textos, há o reforço da interpretação de escolha e livre arbítrio, de triângulo amoroso, até mesmo de Complexo de Édipo quando alguns autores reportam-se à ideia de que o jovem está entre a mãe e a sua namorada (ou noiva). Porém, essa visão moderna não está de acordo com as primeiras imagens do arcano. No baralho de Jacquemin Gringonneur (a pedido de Charles VI, rei da França em 1392) três casais surgem se cortejando, tendo na parte superior da lâmina Eros e Anteros (amor e ódio) disparando suas flechas, fazendo uns se apaixonar e outros se rejeitar. O baralho reproduz uma ambientação medieval com os casais num atitude de entrosamento.
Já nos baralhos de Visconti Sforza (Itália, séc. XV) e Visconti Cary Yale (Itália, séc. XV) há apenas um casal e, no topo, sozinho, o Cupido (agora com os olhos vendados). A referência mais clara é do amor cavalheiresco, das bodas ou apenas do romance. E, há também um apontamento para a cegueira do amor e/ou da paixão. No simbolismo, a interpretação está mais de acordo com a frase: “o amor é cego”. Lembro que o Renascentismo surgia nessa época na Europa, uma explosão cultural, repleta de filosofia, invenções, artes, colocando o ser humano como centro do universo. Mais do que normal a ênfase aos sentimentos humanos e toda sua representatividade.
Somente a partir do século XV surgem as primeiras representações do arcano 06 como um jovem entre outros dois personagens. A imagem analisada de forma pormenorizada em sua essência iconográfica não faz menção a um jovem entre duas mulheres e sim, entre seu pai e sua futura noiva. Devido à difícil representação artística xilográfica francesa, muitos confundiram a imagem da esquerda como a de uma mãe ou outra mulher importante na vida do personagem central. Portanto, nada de triângulos amorosos, amantes secretos, mães dominadoras, isso tudo surgiu das várias reinterpretações da imagem que fizeram perder seu sentido simbólico original. Podemos ver o Cupido apontando sua flecha para o indefeso coração do rapaz. A imagem é de jovem que apresenta sua pretendente e pede a benção ou consentimento do pai para casar-se. Nada, além disso.
Esclarecido o aspecto iconográfico, lógico que vários artistas vieram ao longo dos séculos repetindo a ideia de um rapaz dividido entre o amor de duas mulheres. Poucos foram os baralhos que se reportaram ao personagem da esquerda de quem vê como homem (como é o caso do Suíço 1JJ e Classic Tarot, até chegar ao Waite-Smith cuja ilustração está mais de acordo com o Éden com Adão e Eva representados. Da criação do Rider à edição do Thoth, o arcano ganha status de casamento alquímico e outras analogias postuladas pelas vertentes ocultistas.