Dez de Espadas ou Dez de Gládios, tanto faz, em seu significado moderno o arcano menor intitulado dessa forma traz a imagem, no Rider Waite, de um indivíduo deitado de costas, sangrando, tendo 10 lâminas fincadas em suas costas, enquanto o alvorecer anuncia um novo dia. À primeira vista a figura choca e nos lança uma pergunta: por que o humano sofreu tantos golpes e de tantas espadas? Seria ele um inimigo poderoso, um alvo odiado ou apenas alguém que sofreu injustamente uma retaliação, vítima de um crime?
Todo arcano menor numerado como 10 encerra em si a sequência dos naipes e, consequentemente, uma narrativa. Sugere conclusão, finalização, coroação ou desfecho. Se projetado através do naipe de espadas (onde temos o mundo mental, da lógica e do raciocínio, de como a mente pode nos pregar peças e como podemos ser traídos por nossos próprios pensamentos; também revela a frieza intelectual e a capacidade de entendimento) temos a dureza/frieza do metal como metáfora. Em essência, espadas diz respeito a ciência, mas também ao poder de luta, à (desafiadora) convivência humana, provando que também a palavra “fere e mata”.
Sempre me pautei pelo axioma máximo desse arcano: “o fim da dor ou a dor do fim”. Oriundo do 9 de Espadas que implica em enfrentar os tormentos interiores e nossos próprios demônios, algumas vezes o 10 de Espadas pode ser associado aos suicidas, mas isso seria muito simplista, já que o haraquiri (prática antiga entre os japoneses nobres e guerreiros num ato de resgatar sua dignidade e honra) consistia em utilizar normalmente uma katana para perfurar o ventre. Ou seja, impraticável definir como um ato “suicida” resumidamente esse arcano. Outro fator que chama a atenção é o fato das espadas atingirem as costas, dando sentido de distração, tomando a pessoa num ato covarde, sem defesa, desguarnecida de proteção, culminando na insana quantidade de gládios pelo seu corpo. Ou seja, quem quer que seja, não teve tempo de reagir.
O 10 de Espadas pode ser observado na maioria das vezes como um “golpe de misericórdia” em algumas leituras realizadas com o tarô. Sinaliza que, apesar dos pesares, tudo chegou ao seu fim. No entanto, mesmo considerando a cessação da dor, as marcas indeléveis tendem a ficar, impossível sair de um golpe de uma afiada lâmina sem algumas cicatrizes. O mais relevante no sentido e significado simbólico é admitirmos que a coisa chegou ao seu fim. Para alguns, pode ser interpretado como alívio após um penoso período de provações; para outros, é difícil admitir que talvez tenham “nadado e morrido na praia”. De qualquer modo, a imagem simbólica fala que fomos apunhalados pelas costas e, talvez, não tenhamos tempo de saber quem nos atingiu. De costas, revelando nosso ponto fraco, nos tornamos presas fáceis do suposto opositor. Normalmente somos golpeados quando menos esperamos, talvez por relaxarmos demais e não fortalecermos nossas defesas. Esse arcano pode revelar onde está o nosso “calcanhar de Aquiles”. De outro modo, também revela como podemos cair diante de nossas palavras ou ideias, e acabamos amargurando um arrependimento.
O alvorecer promete um novo dia, dissipando as trevas no entorno. Nosso inimigo caiu ou fomos nós? Não estávamos postergando o inevitável? Não se perde o que não se tem. O 10 de Espadas aponta para a desistência algumas vezes, como se, cercados de tantos problemas, fôssemos incapazes de resolver cada coisa em seu tempo. Atingidos por uma avalanche de dificuldades, acabamos por “jogar a toalha” e simplesmente desejamos romper com o que está nos causando tanto mal. Há uma frase do poeta Carlos Drummond de Andrade que diz que “ a dor é inevitável, o sofrimento é opcional” traduzindo-se como o fim de uma história que nos dá a impressão de fatalidade, mas também pode ser lida como libertação. Não há nada mais sofrível do que permanecer num estado de penúria física, mental, psicológica, emocional, espiritual, etc. Tudo que acabamos por pedir é por uma espécie de “eutanásia” existencial. Não no sentido de morrer na acepção da palavra, mas que tudo que experimentamos de sofrimento logo acabe. E, para tanto, é preciso nos sujeitarmos aos gládios que a vida nos impõe, para termos certeza que aquilo que um dia foi motivo de tantos males para nós realmente chegue ao seu fim.